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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Os primeiros discos da Gal Costa

Faz um bom tempo que Gal Costa deixou a Bahia para ocupar todo Brasil, e há quem diga que hoje ela trocou o Brasil pelo resto do mundo. Com poucos shows na pátria amada e sem lançar um disco de inéditas desde 2005, Gal reaparece forte no mercado brasileiro com a caixa "Gal Total" (Universal, R$290) lançada esses dias. No pacote estão os álbuns marcantes da carreira junto com um cd duplo de raridades e outro de inéditas (produzido por Caetano e Moreno Veloso). As pérolas do baú são os primeiros discos. Entre 1967 e 1971 Gal se meteu com as melhores pessoas possíveis para produzir música.


Estreia elegante e delicada no ano de 1967. Ela dividiu um LP com Caetano, o bossa novista "Domingo". O repertório não é restrito a composições de Caetano, dá espaço para outros grandes letristas como Sidney Miller com sua "Maria Joana" - maravilhosa, só peca por ser tão curta.

Como o dia laureado em seu nome, "Domingo" é calmo e preguiçoso, alegria lenta de um diálogo apaixonado na fila pão regado à café barato. E os protagonistas são os donos da padaria.

Depois disso, Gal misturou a confeitaria com o pomar psicodélico de Jards Macalé, Lanny Gordin, Rogério Duprat e tantos outros. Ela entrou aos gritos no tropicalismo. O exercício lisérgico avalia a experiência em outra escala. A guitarra elétrica entra com força e distorção, a música ignora os caminhos do bom mocismo e chama para si a liberdade de misturar o rock com ritmos brasileiros.

Rogério Duprat insere arranjos fascinantes e de qualidade rara. Suas escalas espirituais elevavam a plataforma onde a voz de Gal ecoava as letras inspiradíssimas de Macalé, Waly Salomão, Caetano e Gilberto Gil. Junto com o virtuosismo de uma banda que tinha no guitarrista Lanny seu ponto ótimo de loucura. Representa a síntese da tropicália, notada principalmente nos dois álbuns lançados em 1969. 


Primeira faixa do primeiro de 69, "Não Identificado" - música de Caetano - é o mais refinado ato da histórica direção musical de Rogério Duprat. Classe com um quê mistério, desenha a beleza e esconde o rosto em cordas altas. No mesmo disco há músicas de Jorge Ben, Erasmo, Roberto, Gil e de outro baiano, creditado no rótulo como "Tonzé" (foto).

Rock, suingue, jovem guarda e até uma bossinha. Paga fácil a coroa de Gal, sempre impecável em compasso lento ou rápido. "A Coisa Mais Linda Do Mundo" fica no labo b-5, mas não tem coisa mais linda que "Baby", faixa 4 do mesmo lado, de chorar pela emoção depositada na singularidade da orquestração ao envolver as frases.



A seguna parte do pacote anual põe mais fogo. Na matinê rock-refrão do "Cinema Olympia", sons da arábia para apresentar o "Tuareg" e o pop de terninho sem criolina no cabelo de "Meu Nome É Gal". A versão de "Vapor Barato" é hors-concours, catarse absoluta com uma batucada frenética, gritos escaldantes no refrão e a mais viajada esplanada na guitarra de Lanny.

Dois clássicos da música brasileira, resultado do encontro de tantos nomes extraordinários. E ainda rendeu mais em 1970 com "Legal", terceiro disco da bem acompanhada interprete baiana, dessa vez com Tim Maia também.



A citação a Jovem Guarda vem com os arranjos de Chiquinho de Moraes (que trabalhou com Roberto Carlos) e logo na primeira música, uma versão mais entorpecente de "Eu Sou Terrível".

"Hotel das Estrelas" curte os primeiros segundos com acordes lentos e uma voz calma como o seu amigo depois de acender um. Mas isso faz muito tempo, a música desenvolve a larica e consome na paciência da distorção e de uma batida mais rápida. A comilança pesa e a música termina num coro que solta os ares de clássico da faixa.



A Nutela na cachaça é "Fa-tal". Disco lançado ao vivo em 1971, o melhor disco nacional ao vivo da década de 70. Duplo e com uma edição de capa dura. Artigo requintado para os padrões nacionais, e indispensável para valorizar as intervenções artísticas do também diretor do espetáculo Waly Salomão.

O naipe do repertório é altíssimo. Só no lado 1 tem "Dê Um Rolê"; a absurda "Pérola Negra" de Luis Melodia; "Mal Secreto", uma das mais bonitas do Macalé; e "Como 2 e 2" de Caetano. Todas elas, e mais algumas no resto do disco, contam com a participação especialíssima de Pepeu Gomes na guitarra. E se Gal era impecável até aqui, ela finalmente erra.

Em meio a um voz e violão em "Fruta Gogoia", Gal derrapa no violão e dá espaço para risos da platéia. "Acontece", diz ela logo depois. E aí está o charme de uma gravação ao vivo sem edições, músicas tocadas mais de uma vez para ficar bem. Tem como não se apaixonar? E poucos minutos depois vem a arrebatadora "Vapor Barato". Uma Gal emocionada que aos poucos se entrega ao desespero e atinge o apocalipse com sua banda.

Uma declaração da Gal dada ao Estadão diz que o show gravado por Leon Hirzman pode ser lançado em DVD, oremos.

O acabamento é encantado como o conteúdo, capas assinadas por artista de renome como Helio Oiticica e Waly Salomão, a ilustração de "Gal" (1969) é o extra que muita gente tenta mas não consegue colocar (feita por Dicinho, não sei quem é).

Pérolas do início ao fim, argumentos de histórias fundamentais na sua discoteca básica em vinil, cd ou mp3. E se você ainda não tem isso, corre, porque o arrependimento por tempo perdido vai ser grande, acredite.

Um comentário:

rc disse...

"domingo" é meu disco favorito de todos os tempos