Nina Miranda: Freedom of Movement
Nós do La Cumbuca gostamos de saber o que há por trás das canções e, curiosamente, nunca tinha rolado um faixa a faixa por aqui. Estreando essa sessão no nosso cantinho, nós temos a honra de trazer Nina Miranda falando sobre Freedom of Movement (que você pode ouvir aqui). E ela ainda nos presenteou com uma bela intro que situa esse trabalho dentro de sua obra.
Nina, cantora e compositora brasileira radicada em Londres, participou de cult bands tais como Smoke City (do inesquecível hit "Underwater Lover"), Shrift e Zeep e, após mais de 20 anos de carreira, lançou recentemente o seu primeiro disco solo, Freedom of Movement. Destaque da nossa agenda de shows desta semana, a cantora se apresenta hoje, na Audio Rebel, muito bem acompanhada por Guilherme Monteiro (guitarra), Kassin (baixo), Zero Telles (percussão), Domenico Lancellotti (bateria) e convidados surpresas.
Serviço:
Nina Miranda: Freedom of Movement
quinta, 22/02/18
Preço: 20
Horário: 20:00
Audio Rebel - Rua Visconde Silva, 55 - Botafogo
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Meu disco Freedom of Movement
(Nina Miranda)
Finalmente fui andar no meu próprio caminho, desenhei os sapatos e deixei um pé amarrado e outro solto, duas cobras largadas e conectadas no chão. Vão para o carnaval, vão passear no Aterro, vão dormir no estúdio escondidos do frio.
Não sou de seguir modas, depois de morar em vários lugares e países vi que moda é uma coisa superficial. Até uma gaiolinha. Pega a insegurança dos outros. Ser parte do clube, não ser estranho / estrangeiro.
Se a gente não segue... A gente está na frente, ou em outra linha; o tempo é nosso, o trabalho não fica velho. Pois é verdade, é eterno. Se é feito com instinto é aberto.
Sei que poderia ter ido por certos caminhos para ganhar mais dinheiro com a música, mas não é isso que me inspira. O que me inspira é inspirar, inovar, fazer o inesperado natural. E estar muito bem acompanhada musicalmente.
Sou alguém que não consegue ficar parado; se alguém fica tocando a mesma harmonia ou ritmo fico quase enlouquecida de tédio. Gosto que as coisas, a melodia, a energia, fiquem mudando, tomando ar, dando uma corridinha na beira do rio Sena, e dando um pulo inesperado dentro, pra depois subir num balão. Aqui queria deixar as pessoas viajarem, colocá-las no umbigo da atmosfera do som, sentir a lama do mangue, o ecstasy nos olhos dos ravers em Manchester.
Muitas viagens não só pelo mundo ou um universo: multiversos!
01) Capoeira 2020
(Nina Miranda / Charlie Jackson / Anselmo Netto)
'Capoeira' é uma música que escrevi inspirada por minhas aulas com Mestre Marrom e Chaminé no Rio por volta de 1994. A percussão aqui é de Anselmo Netto, baiano que mora em Londres. Começa com a voz de Kari Bannerman, guitarrista, cantor e compositor que virou um grande amigo e parceiro meu. A voz dele é como uma benção para todos que tocam o álbum, sua voz macia e calorosa com sotaque de Gana, te recebendo em nosso mundo livre e cheio de movimento musical: "You are a child of The Universe, no less than the moon and the stars" - vem de um texto que ficava pendurado no banheiro da casa de minha avó inglesa, eu sempre acabava lendo o texto inteiro, que me deixava sentir mais calma depois. "... with all its shams, drudgeries and broken dreams it is still a beautiful world, be careful, strive to be happy” (Tá bonito em inglês, mas uma tradução coloquial seria algo assim: "você faz parte desse Universo, que nem as estrelas… esse mundo está meio fodido, com as roubadas e sonhos destruídos, mas é bonito mesmo assim, fica relax e feliz.) Amo Capoeira, acho uma arte incrível de se ver. Algo que surgiu pela necessidade dos escravos se fortalecerem para um dia serem livres. Uma luta que continua, na verdade. Não sou boa de capoeira, talvez por ser gringa demais, mas AMO assistir e estar perto dos movimentos e musicalidade desse movimento cultural que se espalha pelo mundo crescendo mais, sempre com raízes plantadas na África.
02) Play
(Nina Miranda / Anselmo Netto / Jansen Santana / Kari Bannerman / Peu Meurray)
Um disco-funk inspirado pela energia de Earth Wind & Fire por volta de 1970 e os ritmos da Bahia, com letras espaçosas, que ficam andando pra frente, com participação especial de Peu Meurray na percussão e vocais, com seus PnEUs / surdos/ pneumáticos. Também tem o filho de Peu, Jansen Santana no baixo, percussão e voz. E a voz falada do WAKAY, um músico indígena que conheci em Salvador.
03) Marshmellow Dreams
(Chris Franck / Nina Miranda)
Composição com Chris Franck, também de Smoke City, Zeep e Da Lata, pai dos meus filhos e um parceiro com quem a música flui muito fácil. Aqui sonhamos juntos e gravamos o sonho logo em seguida.
04) Megalopolis Skit
(Nina Miranda)
Pego Londres, Lisboa, passeios de séculos atrás para o futuro, movimento de elevador de pé.
05) Whole of London
(Antony Elvin / Nina Miranda)
Composição com o talentoso Antony Elvin, cantor, músico e compositor inglês. Compomos e tocamos e rimos juntos há anos. Essa música veio de uma conversa num pub sobre aqueles que não acabaram sendo 'the one'. E talvez, por causa deles, terem problema com álcool.
AMO AMO AMO colaborar, e cada colaboração traz um novo lado meu e do colaborador. Essa conversa musical, esse desafio do momento que pode durar para sempre é como magia, alquimia sonora. Um namoro entre notas, uma aventura de letras. Chico César por exemplo, é incrível no improviso, no momento da música ser gravada. Ele vira instrumento, bicho, todos os elementos podem ser vestidos.
Nesse disco aprendi a gravar eu mesma em casa. Por necessidade de tempo e custo, e também por ter a liberdade de criar o que eu queria, não o engenheiro de som.
Amo gravar os músicos. Isso me dá mais prazer do que me gravar. E gosto muito de ser dona do meu próprio som. Escolher os músicos e as músicas para meu disco, compor à vontade sem preocupação de encaixar na moda ou numa panelinha. Também me fez apreciar ainda mais como Chris Franck era focado e corajoso na música, além de talentoso. Terminar algo dá medo! E ele era bom de terminar. Eu estiquei esse disco demais, acabei com músicas demais para um disco só, mas gostei tanto da aventura que não queria parar.
Cada música era quase uma pergunta ou procura, e agora acho que há umas respostas. Principalmente que a gente nunca sabe o que a vida vai dar! E que gentileza gera gentileza.
Nenhum dos músicos com quem gravei aqui no meu estúdio de casa já tinha sido gravado por uma mulher. Antes de gravar tem muito papo, café, e comida. Me sinto bem mãezona e comadre, e gosto da companhia de músicos. Sei muito o que gosto e não gosto, e quando gosto eu agradeço e fico tão feliz que vem lágrimas de felicidade e arrepios .
Quando o registro tá feito e os músicos voltam para casa, posso levar horas mexendo com os sons e arranjos, gosto de olhar bem nos detalhes. Escolhendo as flautas, as cordas, as percussões certas, o melhor take de solo de guitarra. Fico mexendo no arranjo depois, adicionando meus sons, teclados, apitos, percussão, e muitas vozes.
Kari Bannerman nas vozes e guitarra, de Gana, da banda Osibisa. De Moçambique, Helder Pack na bateria e vozes. Do Brasil: Kassin no baixo e guitarras; Domenico Lancellotti na bateria e vozes; Chico César nas vozes; Anselmo Netto na percussão, viola caipira e bandolim; Ch Straatmann no baixo e backing vocals; Peu Meurray na percussão e vozes; Jansen Santana na percussão, baixo, violão e vozes; e no violão e poesia, Mario Bakuna.
Chris Franck é uma presença musical forte e importante no disco, na guitarra, violão e teclados, e produção em Julia, I Am... e Marshmellow Dreams, que é uma musica que surgiu tão fluidamente. Ela ilustra como a gente gosta de caminhar, sem roteiro e com muito feeling.
Tem os sopros de Ibibio Sound Machine, com Max Grunhard, Tony "Trombony" Hayden e Scott Baylis, e na flauta Ben Hadwen. Também tem backing vocal de Jaelee Small, filha da famosa Minnie Small.
06) The Cage
(Nina Miranda / Kassin / Domenico Lancellotti / Dan Parry)
Tudo é possível. O santo baixa e a gente tem que obedecer o santo com a voz e o corpo. Para mim, esse rock expressou o que eu tinha que expressar. Gravei depois de uma epifania em 2013, mas é totalmente de agora. No momento em que estamos vivendo tem muita coisa para colocar para fora, precisamos de ação e movimentos coletivos. Para salvar os povos indígenas, e reunir uniões e povos do mundo. Nos abraçar contra o racismo e a discriminação de todos os tipos, e o abuso de poder. O abuso do poder de certos na política e na mídia. Enquanto um de dois é escravo, maltrata dois, somos todos feridos, doentes, ruins. Fiquei arrasada com a campanha do Brexit, o Reino Unido está quebrado, a União Européia está insegura e isso afeta o mundo inteiro. Tudo por causa de alguns mentirosos muito poderosos. Me lembro agora de chegar criança na Inglaterra, nessa fase punk, tinha muitas mulheres na TV, na mídia, punks, fortes, corajosas cheias de atitude. Devem ter deixado uma impressão em mim. Sempre fui criada para ser muito boazinha, era tímida, pequena, o oposto dessas mulheres. Mas com a música The Cage isso muda - me liberei!
07) The Garden
(Nina Miranda / Kassin / Domenico Lancellotti)
É pra onde vai The Cage, é o solto. A calma, a paz, o verde, o conjunto, o jardim de Eva onde se pode comer a maçã... Pêra ou uva. The Cage e The Garden eram uma música só e um amigo me convenceu de deixá-lo tentar dividir em dois e adicionar mais um refrão. Aí eu não sabia mais e fui com essa versão cortada de que me arrependo!!! Era melhor quando fluía como era pra fluir, depois de sair da gaiola a gente não quer mais entrar nela! Não precisa de dois refrões, não precisa de regra em musica. Realmente nesse disco Freedom of Movement tô querendo fugir de regras.
08) I Am...
(Chris Franck / Nina Miranda / Dan Parry)
Música com Chris Franck (Da Lata / Smoke City / Zeep) e Dan Parry. Pra dançar na cabeça ou nos pés, pra viajar. Muito pra cima. Estamos vivos, contemplativos e na ação. Me lembra da produção de Sly & Robbie, que AMO.
09) Feminist Man
(Felipe Couto / Nina Miranda)
Felipe Couto, amigo da família ficando em minha casa, acabou aprendendo a tocar violão de tantos ensaios e gravações que aconteceram em volta. Essa primeira composição dele eu gravei antes dele pegar o avião, coloquei o vocal depois, e a percussão, e gravei Abigail Dance nos violinos. Felipe e eu tivemos altas conversas e sua cabeça fantasia, feminista, me inspirou, e fiquei animada de ver como tem chance ainda de homens e mulheres amigos… Amigos, amigos.
10) Silken Horse
(Nina Miranda / Ch Straatmann / Mario Bakuna / Anselmo Netto)
Fantasia que vira realidade. Gravei tudo eu própria em casa, um microfone, um músico de cada vez, mas acho que ficou épica! Baianos, paulista, moçambicanos e eu. Na viagem… Aonde fomos, pra onde iremos. Quando chegar começa a brincadeira.
11) Julia
(John Lennon / Paul McCartney)
Música de John Lennon, com letra em português minha. Tudo é vida, tudo é eterno até depois que os corpos param de se mexer. Amo os Beatles, são parte do meu Brasil. Strawberry Fields Forever… In music land. In reality the concrete and frightened heats they colour with their fruits of love.
12) Amazonia Amor
(Nina Miranda / Alex Kingsbury)
Vamos mergulhar lá - andar com pés nas folhas, estamos com medo de quem pode tentar nos machucar, somos indignos, somos os primeiros povos, estão tentando destruir tudo que é sagrado, os caminhos dos nossos ancestrais, fauna e flora, medicina, segredos para viver, amor, carinho, beleza pura, corpo que é corpo de alma. "Que saudades da minha terra", fala Rilene de Souza, do Brasil, em Londres, que saiu do Brasil para poder jogar capoeira com seus irmãos.
13) The Surfer
(Xaver Fischer / Krischan Frehse / Hendrik Smock / Nina Miranda)
Vamos surfar com Fred d’Orey? Campeão de surfe carioca, que ama música, "surfar é como tocar um solo de guitarra" - "que intensidade!" Com Jansen Santana da Bahia na percussão e violão e Xaver Fischer Trio da Alemanha nos teclados, baixo e bateria.
Whoosh!
14) Soundtrack To 'Venus Night Boat'
(Nina Miranda)
Na água de olhos fechados, Venus Williams joga tênis. Ela é incrível. As crianças estão junto.
15) Lost In Manchester
(Nina Miranda / Charlie Jackson)
Para nos levar da água a The Haçienda. Mundo diferente que quase não entrou no disco.
Cidade, vento, história, boates, pessoas se achando na multidão, na escuridão, nos vazios da rua, jogador de futebol, estudante… Anglo-brasileira.
A vida é feita de muitos contrastes.
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Nina Miranda:
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Bônus: Veja aqui a participação, semana passada, de Nina no Baile do Almeidinha de Hamilton de Holanda, no Circo Voador.
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