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terça-feira, 24 de março de 2009

Radiohead no Rio - Parte 14: Impressões Emocionais

I'm not here, this isn't happening




É difícil escrever tecnicamente e/ou com detalhes sobre shows onde havia uma maior preocupação em sentir a música, se misturar com o sentimento e ansiedade do lugar e mandar às favas análises ponderadas sobre Thom Yorke dar uma escorregada na letra de "Everything In Its Right Place" ou sobre o som do Los Hermanos estar ridiculamente baixo no início. Bom, eu até reparei nessas coisas, mas nada inibia a alegria de, muito mais do que um show onde havia uma relação entre eu e a música que a banda despeja em cima do palco, há a cumplicidade entre eu, bandas e o público que me cerca.



Amigos abraçados cantando "Sentimental", sorrisos, surpresa com "Cher Antonie" (praticamente inédita nos palcos até então), "Assim Será" e "Cadê Teu Suin-", três músicas, a primeira da leva de Rodrigo Amarante, as outras duas de autoria de Marcelo Camelo, somadas a outros cinco cavalos de batalha vindos do Bloco do Eu Sozinho, tornado-as maioria no repertório, e os anos mostram que é o melhor do Los Hermanos, ou no mínimo o irmão gêmeo em qualidade se comparado ao "Ventura". E felizmente somente quatro músicas do disco 4, um disco triste não só pelas temáticas, mas pela falta de brilho nos arranjos e nas soluções, à exceção de "Condicional".



Então eles passam dois anos sem tocar e voltam com músicas do Bloco... e o que vejo pelo orkut e em blogs e sites diversos é que eles estavam frios, pouco animados, sem empolgação. E eu acho que eles continuam tão desempolgados como eram antes, com as mesmas deficiências técnicas (especialmente vocais) de sempre, mas que isso nunca teve muita importância antes e, no fim das contas, eu realmente não estava atento a esses detalhes.



Estava preocupado com meu umbigo, meu quintal, o universo ao meu redor e esse era de pura alegria. No máximo alguém canta mais alto a letra que a melodia sugere e percebo que o final de "Cher Antoine" vem com uma citação à marchinha "Índio quer apito", que "Assim Será" dissipa a tristeza da valsinha no fim se transformando em uma espécie de rumba, salsa com explosão dos metais, ritmos latinos sendo esmurrados na bateria inaudível de Barba, culpa do som, mas só de ver suas expressões segurando as baquetas era claramente o mais esmerado em superar shows do passado. Não que fizesse importância alguma para mim, pois aquele momento era de celebração de logo ver mais duas bandas importantes em algo que seja parecido com "formação musical" que eu possa ter. Para mim, diferente de grande parte do público, Los Hermanos fizeram o papel que cabia a eles naquele momento e naquela situação. Talvez seja culpa de expectativas exageradas de que eles entregassem ali algo que nunca deram antes.



A junção de Kraftwerk de abertura e a sequência com Radiohead me remete à turnê que Mudhoney e Pearl Jam fizeram na américa do sul em 2005, onde tocaram ali, na mesma Praça da Apoteose. Talvez a relação entre a banda alemã e a inglesa não seja tão próxima como acontece com as duas bandas de Seattle, onde inclusive alguns dos membros de um e de outro grupo já tocaram juntos na gênese de tudo que aconteceu no rock pop-sujo da América a partir de 85, o Green River. Sem contar na jam inesquecível, com dois Mudhoney-Green River, Mark Arm e Steve Turner, se juntando ao Pearl Jam para cantar "Kick Out The Jams", do pai quase direto do Mudhoney, o MC5.



Mas a comparação quase esdrúxula que faço se dá por um sentido de agradecimento que as bandas principais dessas duas datas parecem fazer a essas bandas de abertura. O Pearl Jam (e todas aquelas bandas que um dia foram - e ainda são - chamadas de grunge) tem muito a dever ao Mudhoney, que sozinho não teria à sua frente mais de 20.000 brasileiros assistindo um pouco da História da música. Já o Radiohead, em especial após a guinada de conceito, estrutura e mentalidade que vemos a partir do disco Kid A, deve muito, mas muito mesmo ao Kraftwerk. Sem os precursores da música eletrônica muito provavelmente não sairiam coisas como "Idiotheque", "The Gloaming" ou "15 Step", fora os tantos barulhinhos alienígenas que saem no meio de bases "convencionais" de uma banda de rock, e ainda mais os diferentes aparelhos que em especial Jonny Greenwood costuma operar durante os shows quando não está com a guitarra em mãos.



E o Kraftwerk, que no Rio de Janeiro não teria mais de 20.000 pessoas dispostas a assistí-los, substituiu os aparelhos computadorizados cheios de botõezinhos de antigamente por laptops compactos e discretos. O repertório é uma das mais deliciosas contradições da história do rock, considerando que há 30 anos atrás eles apontavam para o futuro e hoje fazem uma viagem ao passado deles, que passou a assumir descaradamente uma visão retrô-futurista.



Não que eles tenham feito nada para que isso acontecesse, foi só o tempo que passou. Ao mesmo tempo não dá para taxá-los de datados. Porque uma música boa não usa como apoio somente klingklangs, e eles sabem disso. É também por ter melodias que grudam na sua alma, o casamento perfeito para atrair o interesse nas possibilidades tecnológicas que eles criaram e vice-versa. É também o aspecto menos comentado do grupo, mas como não prestar atenção para a melodia de "The Model", "Computer World" ou "The Robots"? E claro, "Trans Europe Express" é conhecida de quem está ligado nos primórdios do funk carioca, já que um sample da música é usado como base para "Planet Rock", de Afrika Bambaata, que é o ponto inicial do gênero.



Prestando atenção no som do Kraftwerk você identifica a origem não só do pancadão carioca, como de boa parte de qualquer vertente da música eletrônica que você possa lembrar. Mas honestamente, eu não estava pensando nisso enquanto "Man Machine" começava a ser executada pelos quatro integrantes imóveis, concentrados em suas estações de trabalhos dispostas simetricamente em cima do palco, um do lado do outro. Vistos um pouco mais de longe, eles perdem ainda mais a aparência humana. São gélidos e ainda assim sabem fazer o povo sacolejar ou pelo menos prestar atenção a uma aula sobre os caminhos que a música foi capaz de fazer para chegar aos dias de hoje.



Essa parte da aula às vezes pode não ser tão empolgante. "Autobahn", por mais revolucionária que tenha sido, cansa um pouco. Idem para "Radioactivity". Ambas são compensadas pelas imagens no telão de auto-estradas, carros e imagens de placas de avisos nucleares e nomes de usinas. Já "Tour de France" (li por aí que era a L'étape 2, mas na hora nem me preocupei com isso) e "Numbers" pareciam a hora do recreio, onde a excitação na frente do palco aumentava. Lá atrás era possível ver pessoas com camisas do grupo, assistindo de longe, mas com atenção, aos não-movimentos dos ídolos germânicos. Mesmo estáticos, os operadores do Kraftwerk dão um show cênico que vai além dos telões, com luzes que tornam os integrantes mais robotizados ou mais parecidos com seres saídos de computadores fabricados em 1979. O ápice sem dúvida ocorre quando os robôs surgem no lugar dos integrantes na hora de "The Robots". Se os quase-humanos do Kraftwerk realmente tocam alguma coisa naqueles laptops para sair o som acaba sendo a questão menos importante diante desse retrospecto todo.



Na espera para o Radiohead, uma seleção de dubs e reggaes como fundo musical deve ter feito muita gente não ter entendido nada. Mas também, tem gente que quer classificar o Radiohead em um único estilo, então é natural que as pessoas não percebam que até o dub passa como influência para o grupo inglês. E nem estou falando do projeto Radiodread, onde o disco Ok Computer é tocado como se tivesse sido concebido na Jamaica, com baterias com eco e linhas de baixo pesadas como elefantes, loucura impetrada pelo Easy Dub All Stars. Mas o Radiohead é o resultado de um monte de influências, que passam por Kraftwerk, Nirvana, Jeff Buckley, Bjork, Pink Floyd, Nick Drake, R.E.M., Aphex Twin, Talking Heads, Miles Davis. Jazz, folk, rock alternativo, baladas românticas, música eletrônica das mais variadas espécies, krautrock. Difícil prender a um estilo o som deles, embora tenham sido adotados desde sempre por um público mais alternativo, hoje em dia chamado de indie. Daí a lógica em ouvir dub entre Kraftwerk e Radiohead, além de estarmos falando de um gênero e dois grupos que usam o estúdio como instrumento, cada qual do seu jeito.



Era com esse clima que estava sendo construída a entrada do Radiohead no palco. Mas não tinha muita gente ligando para esses pormenores naquele momento. Nem eu. Uma das opções de diversão, além de curtir o dub, era encontrar amigos e conhecidos ao acaso, os sorrisos e as conversas rápidas e desencontradas até a hora que barulhos eletrônicos pareciam até prenunciar que o Kraftwerk ia tocar novamente, mas era o Radiohead mesmo. Os barulhos cessam, os instrumentos são posicionados e eles começam como habitualmente começaram os shows da turnê do In Rainbows, com "15 Steps". Mas dessas vez eles estavam no Brasil, no Rio de Janeiro, na Praça da Apoteose. Não há nenhum detalhe que eu possa falar sobre essa música, além da tentativa de um bom posicionamento para ver o show e da cabeça girando com os gritos e a música que sintetiza muito do Radiohead de hoje, e a iluminação espetacular vinda do palco com suas hastes suspensas de brilho forte.



Ainda sem me recuperar do impacto inicial eles já trazem uma música do Ok Computer, "Airbag". Eu não conseguia olhar para o palco e sim para as pessoas, buscando identificação com o que eu estava sentindo. Entre muitos rostos com felicidade estampada, vi um sujeito alto atrás de mim, chorando copiosamente, com as mãos no rosto, incrédulo com o que ouvia. Estendi-lhe a mão, que ele segurou e eu disse algo como "foda, cara". Por mais que uma hora ou outra a gente ria de meninas que choram por seus ídolos, acabamos tendo esses sentimentos também, por alegria ou por momentos tristes que a música marca a gente de vez em quando.



Não foi tão diferente para mim quando eles tocaram "Karma Police" e eu misturei a emoção de estar presente ali ouvindo aquilo com a lembrança que uma amiga do meu lado teve de alguém que se foi. E a música não parecia querer ir embora, quando Thom canta o último verso depois da música encerrada, "I lost myself, I lost myself". Chorei também, e as lágrimas continuaram até o fim de "Nude", uma das músicas mais lindas do In Rainbows, triste, sexy, fantasmagórica com seus coros no fim. Se eu estivesse realmente pensando nisso eu escreveria agora como é impressionante a voz de Thom Yorke, sujeito franzino, esquisito, feio e genial, talentoso não só na voz como com os instrumentos.



Mas eu não estava pensando nisso. Estava mais impressionado com as músicas, agora em um lugar com menos gente apertando, mas com ótima visão do trabalho de operários que fazem Ed O'Brien, Thom Yorke, Jonny Greenwood e eventualmente o baixista Colin Greenwood lá em cima, alternando instrumentos e aparelhos diversos. O que torna mais impressionante ainda o trabalho do baterista Phil Selway mantendo o ritmo no meio daquilo tudo. Um dos ápices do trabalho do grupo em cima do palco é na krautrock "The National Anthem", onde Jonny larga da guitarra para sintonizar e manipular estações de rádio. Aqui surgem vozes em português enquanto o baixo de Colin repete incessantemente o riff da música, muito mais nervosa e rápida do que na versão do disco. Barulhos feitos por Ed O'Brien ajudam a compor o clima enquanto Thom balbucia as frases repetidas da letra. As luzes do palco ficam ainda mais tensas se você balançar a cabeça igual Thom Yorke faz enquanto canta.



O aspecto nervoso, eletrônico e roqueiro vai ficando mais cool e eletrônico com "The Gloaming" e voltando à calma com o folk de "Faust Arp", culminando em outro ponto alto da noite, mais uma vez vindo de uma faixa de Ok Computer, "No Surprises". Logo a animação está de volta com "Idioteque", disco music dentro de uma danceteria durante um terremoto. "I Might Be Wrong", praticamente filho único em matéria de rock dentro do disco Amnesiac acabou com meus sentidos, tanto que não tenho nenhuma lembrança forte da linda "Street Spirit", a primeira faixa tocada nesta noite vinda do disco The Bends. Então veio uma música que, apesar de ter sido tocada no México há poucos dias atrás, eu não esperava que tocassem aqui, apesar do desejo que eu tinha em ouví-la. "How To Disappear Completely" é uma das canções mais lindas feitas pelo Radiohead, desértica, desolada, delirante, com essa frase que surge no que seria um refrão: "Eu não estou aqui, isso não está acontecendo". Nessa hora eu me esqueci de boa parte do público e minha relação passou a deixar de ser também com a banda, porque aquilo ali era exatamente como eu me sentia. Eu não estava lá e aquilo não estava acontecendo.



Era o fim do set principal e o Radiohead tem a manha de voltar bem ao palco, com a música mais esquisita do In Rainbows, "Videotape". É uma coleção impecável de músicas que eles tocam nessa segunda parte. "Paranoid Android", do Ok Computer, com coros e vozes emocionadas, lágrimas e felicidade. Eu me lembro de estar flutuando em alguns desses momentos, como em "Just", minha preferida do disco The Bends. Olhando aqueles que estavam no chão, enquanto eu flutuava metaforicamente, via que era uma área tranquila mas com pessoas realmente abobadas com o que viam até então. "Everything In Its Right Place", hipnótica, com os remixes feitos na hora por Jonny em cima do vocal de Thom, que você não deve lembrar que eu falei lá em cima, deu uma escorregada na segunda parte da letra, mas contornou a tempo e não fez a menor diferença porque a banda já havia nos conquistado há umas 15 músicas atrás e com isso eles conquistaram também o direito de fazer o que quiser.



Tanto é que fizeram. Após uma breve saída do palco e a colocação de um piano ali na frente, Thom volta para cantar "You And Whose Army?", logo após dizer algo sobre a América do Norte foder com a gente. Mesmo sendo uma música arrastada e um pouco anti-climática para um segundo bis, ao vivo ela soa um pouco melhor do que em estúdio. Mas o destaque é para a câmera instalada ali bem perto que mostra o rosto atormentado de Thom Yorke enquanto canta. As câmeras e a iluminação fizeram um bom resultado durante todo o show, e fazia ainda mais sentido para quem estava mais distante. As imagens quase sempre monocromáticas dos integrantes apareciam divididas em quadrados, em ângulos diferentes do usual, algo recorrente em turnês anteriores da banda neste século, vistas na tv ou pelo youtube. Com a diferença é que agora era na nossa cara.



Mas eles precisavam nos deixar com uma cicatriz, para que o maior número possível de pessoas não esquecesse daquele show. Só assim para explicar que após 24 músicas eles ainda tocassem "Creep", que antes de ser o maior sucesso deles ou coisa assim, é uma música fantástica, lírica e barulhenta dentro de sua estrutura ainda simples se formos comparar com o que o Radiohead fez depois daquilo, e talvez por causa disso mesmo perfeita para encerrar uma noite que, na minha cabeça, ainda não acabou. Do meu lado uma garota olhava de olhos arregalados e balançava a cabeça como se não acreditasse. Em algum momento durante o show Ed O'Brien disse, em português, "bom pra caralho", expressão ensinada pelo jornalista Tom Leão. Não poderia ter resumido melhor o que eu levei milhares de caracteres para tentar descrever.


Aí abaixo o setlist de cada uma das bandas:


Los Hermanos

01. Todo Carnaval Tem Seu Fim
02. O Vencedor
03. Retrato Para Iaiá
04. Último Romance
05. Morena
06. Além Do Que Se Vê
07. O Vento
08. Cher Antoine
09. A Outra
10. Primeiro Andar
11. Casa Pré-fabricada
12. Deixa o Verão
13. Cara Estranho
14. Assim Será
15. Condicional
16. Sentimental
17. Cadê Teu Suin-?
18. A Flor




Vi informações desencontradas sobre o setlist do Kraftwerk, mas com certeza tocaram: The Man Machine, Numbers, Computer World, Tour de France, Autobahn, The Model, Radioactivity, Trans Europe Express, The Robots, Aerodynamik, Music Non Stop.




Radiohead

01. 15 step
02. Airbag
03. There There
04. All I Need
05. Karma Police
06. Nude
07. Weird Fishes/Arpeggi
08. The National Anthem
09. The Gloaming
10. Faust Arp
11. No Surprises
12. Jigsaw Falling Into Place
13. Idioteque
14. I Might Be Wrong
15. Street Spirit (Fade Out)
16. Bodysnatchers
17. How To Disappear Completely

18. Videotape
19. Paranoid Android
20. House of Cards
21. Just
22. Everything In It's Right Place

23. You And Whose Army?
24. Reckoner
25. Creep

3 comentários:

Túlio disse...

Ainda sem me recuperar do impacto inicial eles já trazem uma música do "Ok Computer", Airbag. Eu não conseguia olhar para o palco e sim para as pessoas, buscando identificação com o que eu estava sentindo. Entre muitos rostos com felicidade estampada, vi um sujeito alto atrás de mim, chorando copiosamente, com as mãos no rosto, incrédulo com o que ouvia. Estendi-lhe a mão, que ele segurou e eu disse algo como "foda, cara". Por mais que uma hora ou outra a gente ria de meninas que choram por seus ídolos, acabamos tendo esses sentimentos também, por alegria ou por momentos tristes que música marca a gente de vez em quando.


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Cara foi exatamente isso.

Sobre 'Just' eu ainda não acredito que eles tocaram! Eu explodi quando eles deram os primeiros acordes!

O show vai demorar pra acabar...

Anderson disse...

Que grande viadagem.

Matheus Pinheiro disse...

Estado etílico no ponto certo, amigos felizes, shows foda. Memorável.