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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Festival Planeta Terra - 07/11/09

Brinquedos, baixistas e bundas



A grande dúvida da maioria das pessoas que gostam de música e foram em alguma das duas edições anteriores do Festival Planeta Terra em São Paulo era: será que com a mudança de local, da distante-porém-acessível Vila dos Galpões para o Playcenter, a já tradicional qualidade da estrutura do festival se manteria?



A resposta já estava mesmo antes de chegar ao palco principal. Não muito longe da estação de Metrô da Barra Funda, o conhecido parque de diversões já aparecia com alguns de seus brinquedos e era possível ouvir uma banda com um som que lembrava Jota Quest (depois soube que a banda se chama Fuja Lurdes. A considerar o pouco que ouvi do lado de fora, fuja). Faltava um pouco de sinalização por onde fui, mas não era difícil sacar por onde deveria ir e cheguei do lado de fora do palco principal justamente na hora que os Móveis Coloniais de Acaju começavam seu show com a música "O Tempo".



A partir daí a estrutura do Planeta Terra se destaca. Não havia fila nessa hora, e mesmo com muitas barreiras de seguranças e funcionários pedindo convite, carteira de estudante, canhoto do convite, convite de novo, segurança, era tudo feito muito rápido. Na entrada, somos bombardeados com a distribuição de diversos brindes e propaganda dos patrocinadores do festival. Lá dentro também abundava o merchandising, seja de automóvel ou de fast food que se compra em supermercado. Acho isso muito inteligente, pois se esse é o preço a se pagar para que não tenhamos preços absurdamente caros ou coisas horrendas como o curral vip na frente do palco, que seja assim. A mim não incomoda, até porque tenho a capacidade de esquecer o nome de tudo aquilo um segundo depois.



Essa operação para entrar durou somente o tempo de... "O Tempo". Ainda não havia muita gente em frente ao palco assistindo os Móveis, mas se dividia em fãs animados no meio com uma turma com uma postura mais blasé que claramente não entrava em sintonia com o ska aeróbico dos brasilienses e não queria participar da gincana que o grupo promove, pedindo para o público levantar a mão pra lá, pular na hora xis, cantar aquele refrão. Em "Aluga-se", uma das poucas músicas do disco Idem tocadas, me veio a lembrança do Festival Indie Rock que aconteceu no Circo Voador em 2007.



Na ocasião, pessoas forçando um ar inglês e com cachecóis enrolados no pescoço se recusavam a abaixar na hora que que a música vai diminuindo de volume, conforme é pedido pelo vocalista André Gonzales. Dois anos depois a mesma coisa acontece com um grupo de meia dúzia, apesar do ar inglês ser prejudicado pelo sol na moringa. Veja bem, não creio que ninguém seja obrigado a participar da brincadeira, só é uma constatação.



Além desse e de outros velhos truques para quem já viu vários shows da banda, algumas novas rotinas surgiram desde o último show no Rio de Janeiro, em junho. Agora trompetista toca com o pé, saxofone é tocado por duas mãos diferentes e por uma boca diferente das duas mãos, há mais aproximação com o público e sempre uma ou outra improvisação. Para algum deles plantar bananeira falta pouco. O som estava excelente, apesar de vez por outra algum instrumento ou voz de apoio sumir, e a roda formada em "Copacabana" foi bem bacana em um espaço grande daqueles. Nessa hora foi possível ver que já tinha um número maior de pessoas.



Fim do show e a oportunidade de explorar as possibilidades de um festival dentro de um parque de diversões. Eu não tinha dúvidas, dentro do meu espírito pré-balzaquiano, de qual brinquedo queria usar primeiro: o bate-bate. Mas haviam diversões o suficiente para que alguém que de repente só estivesse lá por uma banda pudesse aproveitar enquanto não chegava a vez do seu ídolo. Aproveitei também para ir com amigos no Looping, uma espécie de mini-montanha-russa que me deixou meio apreensivo porque já devia fazer uns 15 anos que não andava nessas coisas. Mas depois que acabou a vontade é de ir de novo. Mesmo com as costas desconjuntadas.



Hora de desistir de ver Monga, a Mulher Gorila e voltar para o palco principal, mas antes vi alguns segundos da banda Copacabana Club. Me pareceu o Cansei de Ser Sexy, até mais pelo figurino da vocalista e pela postura de palco do que pelo som, que me lembrou mais coisas como Friendly Fires, o que confirmei quando voltei lá no finzinho do show deles. Dentro desses poucos segundos que vi, não pareceu ruim, mas não sei como deve ser a experiência de ver uma hora deles.



Entre o começo e o fim do Copacabana Club corri para ver o show do Maximo Park. Infelizmente quando cheguei eles já haviam tocado a melhor música deles, "Apply Some Pressure", mas ainda deu tempo de ver coisas boas como "Our Velocity", "Going Missing" e o final bem bacana com "Girls Who Play Guitars". As outras músicas não são tão boas e o vocalista Paul Smith e o tecladista Lucas Wooler, pela agitação que causam no palco, até que mereciam músicas melhores que combinassem com o tanto que eles pulam e se mexem. Mas no fim isso é culpa deles mesmo.



Depois da olhada no palco menor, o cansaço e as próximas atrações não me fariam sair por um bom tempo do palco principal. O próximo a se apresentar foi o Primal Scream. Ali começaram a surgir os pontos fracos do festival. A iluminação era precária e, maior das decepções, o som estava muito baixo, sendo possível conversar normalmente mesmo estando ali a poucos metros da grade que separa o público do palco. Os telões, que haviam dado problema durante o show do Móveis Coloniais de Acaju, foram dessa vez usados para exibir colagens de vários tipos de imagens.



Dava para ver que a banda estava fazendo um bom show agitado, mas o som simplesmente não chegava, ainda que tivesse aumentado um pouco lá pela metade do show. O frontman Bobby Gilespie apesar de não ser tão performático quanto André Gonzales do Móveis, Paul Smith do Maximo Park e Iggy Pop, também não é estático. A sequência final, em especial quando entram as sirenes em "Swastika Eyes", poderia ter sido um dos pontos altos do Planeta Terra, se o som não estivesse daquele jeito.



Até então, por onde quer que se passasse no Playcenter, o que mais se via eram camisas do Sonic Youth, muitas iguais até. Várias máquinas de lavar e vários desenhos de uma mulher de cabelo chanel fumando um cigarro circulavam por lá. Era o show mais aguardado pela maioria do público e Kim Gordon, Thurston Moore, Lee Ranaldo e Steve Shelley não decepcionaram. Ah sim, além deles também estava lá em cima o baixista Mark Ibold, do Pavement, banda ícone do rock alternativo.



E acho que isso permite dois parágrafos próprios para o assunto, que é a presença de músicos especiais no baixo, talvez a maior marca do festival depois da bunda do Iggy Pop. Enquanto Mark Ibold era o grande bônus para os fãs tanto de Sonic Youth quanto de Pavement, que ano que vem volta a fazer shows (torcida pelo Brasil), no show anterior era o inglês Mani quem empunhava o baixo, e já o faz há muito tempo frente ao Primal Scream. Mas antes disso ele foi do Stone Roses, banda seminal para a sonoridade dance-lisérgica em Madchester, a loucura musical que acontecia na cidade de Manchester no final dos anos 80.



Além disso, mais tarde teríamos Mike Watt comandando os graves no Stooges, coisa que ele já faz há alguns anos desde o retorno do grupo, no lugar do falecido Dave Alexander. Mike Watt é uma peça central dentro do punk, hardcore mais cerebral e rock alternativo nos Estados Unidos. Tocou no Minutemen e teve uma carreira solo onde era acompanhado no palco por Eddie Vedder e Dave Grohl, além de participações e parcerias com um número muito grande de artistas de diferentes vertentes do rock.



Deixando a tergiversação de lado, voltemos à fornalha e à tensão que se formava ali próximo à grade do Sonic Youth. Ansiedade aumentado ao ver a fileira de guitarras e baixos sendo colocada à direita e à esquerda do palco, mais de uma dúzia até onde pude contar. O calor era grande e os pingos de chuva que começavam a cair pouco aliviavam nem faziam quem estava ali na frente arredar pé. Durante uma incômoda e extremamente vaiada entrevista com o Fresno era exibida nos defeituosos telões, Thurston Moore entra no palco sem cerimônia, liderando os outros membros, que vão pegando seus instrumentos e em poucos segundos começa "No Way", música do disco novo, The Eternal.



Após três décadas de atividade, com o gigante magrelo Thurston ainda aparentando uma disposição (e aparência) adolescente, seria uma boa definição para a banda: eternos. Perpetuados em sua mistura de melodia, anti-melodia, afinações alienígenas, No Wave e New Wave, Velvet Underground turbinado e, hum, sônico. O som e a luz estão um pouco melhores do que no Primal Scream (mas não completamente). O fato do show ser majoritariamente de músicas do disco novo não é um problema para mim, já que considero os últimos trabalhos do Sonic Youth no mesmo nível de seus discos dos anos 80/90, além de já ter visto a grande maioria de seus hits há 9 anos atrás, no Free Jazz Festival.



Alem do disco novo, dois discos conseguiram um pouco de espaço dentro do setlist. O anterior Rather Ripped é um deles, o que proporcionou durante a execução de "Jam Runs Free" um belo momento na noite. A adição de Mark Ibold ao elenco permite que durante a apresentação Kim Gordon se alterne entre o baixo, a guitarra e até nenhum dos dois, dando a ela um destaque central dentro da banda. É sem nenhum dos dois, com os braços rodopiando e o corpo girando até cair no chão, como se fosse uma gatinha sixtie dentro de um minivestido cinza-prateado que seria proibido na Uniban que Kim canta "Jam Runs Free".



O outro disco foi o clássico Daydream Nation. Recentemente eles estiveram fazendo shows dedicados a tocar este disco de 1987 na íntegra, o que até foi cogitado como uma possibilidade de acontecer também no Brasil. Não aconteceu, mas para este show surgiram "Hey Joni" e uma das melhores dobradinhas que eles já fizeram: "The Sprawl" e a épica "Cross The Breeze", sendo esta última um momento muito especial no show, com vários andamentos e climas.



Outro momento interessante, pelo menos para mim, foi durante uma das novas músicas, não sei se "Antenna" ou "Poison Arrow" (belíssimas), onde eu descobri porque os roadies estavam tirando e recolocando constantemente papéis do chão que pareciam ser o setlist. A garoa leve e refrescante que eu estava sentindo, pude perceber em um instante mais calmo, ao ver um degrau que existia após o palco, era na verdade uma chuva torrencial, pelo menos naquele momento. O que me levou à teoria que o calor no meio do público estava tão grande que a chuva devia evaporar antes de chegar às cabeças.



Para o fim do show, uma canção mais antiga, "Death Valley '69" com Thurston Moore jogando e arrastando a guitarra pelo cabo, barulheira esperada mesmo em tempos onde eles privilegiam as estruturas em vez de improvisações. Musicalmente, nada poderia superar isso naquela noite. Hora de descansar para assistir os Stooges que sobraram. Além do já comentado Mike Watt, estavam o guitarrista James Williamson no lugar de Ron Asheton (1948 - 2009) e Scott Asheton na bateria, além do saxofonista Steve Mackay, dos tempos do disco Fun House. E ele, Iggy Pop, a maior personificação viva da sobrevivência aos excessos do Rock And Roll. E felizmente com um som alto, ou talvez a altura sonora estivesse mesmo melhor mais pra trás.



É difícil falar das músicas ao ter aquela experiência visual. Não fazia mais sentido se lamentar por perder Monga, A Mulher Gorila ao ver um ser de mais de 60 anos em pé após 40 anos passando por todo tipo de droga, briga, mutilação e experiência bizarra que alguém poderia ter. É uma experiência estranha ver a pele do Iggy Pop, agora com o complemento de uma barriga que parece ou o início de uma gravidez ou de uma barriga d'água (ver esquistossomose, vermes). Voltando à pele, ela não parecia exatamente flácida, parecia outra coisa não-identificada pela medicina terrestre. Talvez os constantes cortes provocados pelos cacos de garrafa em que ele rolava nos shows nos anos 70 expliquem.



Já viram o filme A Morte Lhe Cai Bem? É com Meryl Streep, Goldie Hawn e Bruce Willis. Resumindo e contando boa parte do filme, as duas mulheres descobrem como serem imortais com a pele jovem pra sempre, mas isso inclui tomar muito cuidado para a pele porque ela vira um tipo de plástico, então pra desfazer algum buraco, por exemplo, é muito difícil. Bom, se você nunca viu o filme não vai entencer. Mas se viu, vai sacar que essa é a explicação que eu encontro para o fato do tronco de Iggy Pop estar completamente torto. Escoliose não explica, só uma barra de ferro arremessada contra ele e o fato dele ser imortal pode ter causado aquilo.



Mas dá para ver também que ele ainda é muito forte pela forma como se comporta no palco. Músculos nos braços me dizem que ele poderia enfiar a porrada em mim, se por acaso eu falasse alguma dessas coisas acima na sua cara. O tempo inteiro sem camisa e com a "calça da gang" marca registrada dele neste século, Iggy não pára um minuto. Não demora muito para ele estar lá embaixo, cantando no meio da galera. De certa forma todo mundo já esperava quando ele manda as pessoas subirem no palco. Ele já havia feito isso no Festival Claro Que é Rock em 2005 e havia essa expectativa. Então de repente estavam ali, dezenas de pessoas, enquanto num canto Iggy cantava protegido por seguranças.



Em tese eu não deveria achar isso divertido, mas não conseguia me conter em ver os cotovelos dos seguranças se chocando contra os rostos dos incautos fãs que não se contentavam em estar ali em cima e queriam tocar a pele alien de Iggy Pop. A música acaba, as pessoas demoram a sair, há confusão, uma pessoa desmaia ao seu lado Iggy, tudo bem? "Eu me sinto muito melhor", ele diz um pouco antes da limpeza do caos e logo recomeça a cantar, a pular, a descer do palco, etc. Acontece de tudo, um anão que já tinha passado por mim no show do Sonic Youth aparece no telão, Iggy segura e joga pra cima a muleta de um deficiente, a calça de Iggy Pop, que já tinha a cintura lá embaixo desce ainda mais, revelando uma bunda que de alguma forma combina com socos, pessoas desmaiadas, um anão e uma muleta, como se fosse uma piada de português contada por alguém bem pervertido.



Música? Bom, show baseado no repertório do disco Raw Power e nas parcerias da época em que Williamson participou da banda, destaques para "Search and Destroy" e "Gimme Danger". E várias músicas de outros discos e outras fases, homenagem ao Ron Asheton com "I Wanna Be Your Dog" e final mais que espetacular tanto em "The Passenger" quanto em "Lust For Life". Senti falta de "No Fun", mas nada supera Iggy Pop indo embora já com as calças arriadas.



De alguma forma ainda tive forças para dar uma olhada no N.A.S.A., mas acabei voltando para conferir o tal DJ Etienne de Crecy. A idéia era voltar ao N.A.S.A., mas o cansaço não me permitiu e até que foi uma boa. Dentro de uma estrutura que me lembrava o antigo quadro "Jogo da Velha" do Faustão, o DJ ficava no centro enquanto as luzes iam se encarregando de efeitos que iam ficando mais complexos em sintonia com a música sendo tocada. Poderia se dizer que era um Daft Punk dos pobres (quem estiver curioso procura a estrutura de um e de outro pra comparar, sugestão de busca: daft punk pyramid), mas usando recursos de forma muito inteligente com batidas house agradáveis até para quem não é tão apreciador do gênero - meu caso.



Depois só restou aguardar mais umas duas horas descansando dentro do Playcenter para pegar o metrô, destino rodviária, destino Rio de Janeiro. Lembrando que na sexta-feira anterior eu tinha visto o show da Nação Zumbi. Pés triturados, corpo moído, alma lavada. Saldo final: um ótimo festival, apesar de ainda quilômetros longe de seus semelhantes europeus, mas com ótimas iniciativas e mais respeito ao público do que a média. E o desejo de voltar mais cedo numa próxima vez para ver Monga.

3 comentários:

Lismar Santos disse...

Não rolou "No Fun"? No "claro q é rock" essa foi a música do "momento invasão de palco".
Pra mim o Copacabana Club é parecido demais com CSS. Não me apetece (mas bem q vc poderia ver mais do show e nos esclarecer, rsrs).
Imagino como foi a qtde de camisas "washing machine" q passeavam pelo local. Algo como as camisas xadrez no Radiohead, rsrs. Já tentei comprar camisa diferente do SY, mas não consigo achar.
Cheguei tarde em casa e só consegui ver o show do N.A.S.A pela net.
Abss, inté quinta!

Otaner disse...

Pois é Lismar, mas eu tava mais que satisfeito de ter ouvido "Search and Destroy" e "Gimme Danger". E onde eu esperava "No Fun", entrou "Lust For Life", então nem dá pra reclamar... abs!

Matheus Pinheiro disse...

Uma das melhores resenhas destes 2 anos de blog e a melhor resenha sobre o festival que vi na internet. Parabéns.