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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Filme: O Samba Que Mora Em Mim



O título engana. A influência do nome "O Samba Que Mora Em Mim" e sua locação na Mangueira induz o espectador a entrar num universo paralelo ao de "O Mistério do Samba", com a Mangueira em foco no lugar da Portela. Nem sempre.

"O Samba Que Mora Em Mim" traz a perspectiva de quem sempre teve curiosidade pelo que acontece no morro e nunca havia subido. A aventura da diretora Georgia Guerra-Peixe dentro desse mundo novo tira o foco de elementos descobertos pela turma do asfalto, não se fala tanto da vida dentro do barracão, estresse de componentes e história da Estação Primeira. Cartola nem é citado. O filme conta histórias de desconhecidos que povoam a comunidade, anônimos da multidão, mas que são famosos no seu gueto.

Não há nenhuma sinalização dos nomes. O único modo de descobrir a identidade do personagem é quando ele decide revelar, ou algum outro tece comentários. A diretora opta por preservar o anonimato dos personagens. A chamada "Vovó" é uma das que mais recebe atenção, ela aparenta estar perto (ou longe) dos 100 anos de idade, diz ter dezenas de bisnetos. Quebra o esteriótipo do idoso quando, na sua primeira cena, aparece com uma dificuldade absurda para riscar a caixa de fósforo. Depois, sem maiores dificuldades, acende seu cachimbo e começa a falar sobre sua vida.

O que segue é a essência do documentário. O samba é tratado como um personagem do passado das pessoas ou uma tradição herdada pelos mais novos, a verdadeira ênfase vai para a vida da comunidade e as figuras que a cercam. Tida como uma celebridade na Mangueira, a vovó tem admiração dos juizados ('moradores de bem') e daqueles sem juízo (articuladores do tráfico). Quando quebrou a clavícula, um do grupo dos "sem juízo" a levou para o hospital e logo correu para não dar mole para à policia, e depois voltou para buscar.

Chama-se outro personagem, mais ligado ao funk, para prestigiar de faceta boa dos traficantes. A visão do proibidão, "canta a vida do bandido", favorece a presença de um herói na comunidade. Alguém que preza pelos próximos, embora saiba que pratica a tática errada. A letra do proibidão cita a passagem da bíblia que diz "O salário do pecado é a morte". O tribunal do morro reserva decisões favoráveis e negativas aos ditos marginais e à população.


É engraçado notar alguns críticos aos bandidos (corretos nas acusações) acabam se entregando como infratores também. Seja o quarentão solitário, que admite ter traído a ex-companheira por anos, ou a comerciante que tem quatro geladeiras, quatro aparelhos de ar condicionado, cinco televisores e não paga conta de luz. Há um sentimento mútuo de inocência e condenação em tudo que acontece na comunidade. Nada é totalmente certo.

Nessa mesma linha, a precariedade da condição de vida da maioria dos entrevistados não os proíbe da felicidade e terem romances. Conta-se a história de sedução de um casal pela entrega de um troco mão a mão e o disparo do vocativo "querida". Numa situação completamente alheia ao samba, raiz do habitat, o descendente de nordestinos encontrou seu par. Ela sempre o vira alí, mas no momento certo eles se encontraram. Os sem par arrumam seu tempo para lamentar, mas o sorriso prevalece, há um pacto implícito em viver na comunidade e usufruir dela para criar alegrias, não só na agremiação, também debaixo do viaduto - no pagode, ou no batidão que a dona de casa adora, mas no lar só canta louvor.

O "samba" visto por eles não é ativo como o ponto de vista externo supõe. Pelos diálogos registrados, o funk se tornou um evento mais frequente no calendário do morro. O samba continua sendo extremamente respeitado e conta com pessoas que, no pré-presente-carnaval, se dedicam em tempo integral, porém como uma das personagens admite, "É um dia lá, se ganhar, dois. O baile tem toda sexta." A tradição é venerada e a quadra continua como um lugar sacro, a Escola emprega pessoas da comunidade e atraí os olhos para a região. Só é mentira resumir a atividade cultural desse centro apenas a isso.

Exibindo parcelas menos óbvias para os adeptos do "morro-é-samba" ou "samba-é-morro", o filme mostra que isso pode ser muito mais estratégia para chamar turista do que uma realidade. Outro paradigma quebrado é o da escravidão à pobreza, a alegria sobrepõe o sofrimento dos moradores. Pena tanta informação ser suprimida em apenas 71 minutos, uma edição maior favoreceria as histórias e engradeceria a montagem do filme, que é apenas regular.

Um comentário:

Unknown disse...

Curti, Túlio. (: